Tudo
aconteceu muito rápido.
Em um
momento, estávamos parados absortos, observando uma sombra mística emergir de
um vulcão em erupção. Segundos depois, encontrávamo-nos correndo em uma
floresta escura e assustadora.
No instante
em que Rendar apareceu, as nuvens tempestuosas deram lugar a uma total
escuridão, transformando aquele belo paraíso em um inferno sombrio.
Literalmente falando, o dia virou noite. Mas uma noite sem estrelas, sem o
brilho da Lua.
Uma noite
sem esperança.
— Oliver…? —
chamou Maia com temor na voz. — Você está sentindo isso?
Minhas
pernas tremeram. Uma energia negativa pairava no ar, era como se a própria
atmosfera estivesse tentando nos matar. Sentia como se o mal fosse sólido e pudesse
nos tocar a qualquer momento. Mesmo com todo o poder da Chama Sagrada dentro de
mim, admito que senti medo do que estava prestes a acontecer.
— Maia…
GRRRRAAAALLL!
Não tivemos
tempo para conversar ou planejar o que fazer. Um exército de monstros surgiu em
meio à escuridão. Eram ogros, trolls, goblins, ettercaps e eu poderia jurar que
vi uma espécie de macaco gigante lançando bananas explosivas no ar.
Estávamos em
desvantagem, nossa única opção era correr. E foi assim que fizemos. Entramos
floresta adentro, na direção contrária aos monstros malignos.
A sensação
de estar sendo perseguido no escuro é aterrorizante. Rugidos monstruosos e
uivos agonizantes ecoavam naquela noite sombria. O ar continuava pesado e a
escuridão cada vez mais intensa. Sabe quando você está no escuro e depois de um
tempo as coisas ficam mais claras e visíveis? Isso não aconteceu dessa vez.
Parecia que cada vez estávamos nos aprofundando mais naquele breu assustador.
Nem por um
instante eu deixei de segurar a mão de Maia. A última coisa que precisava nesse
momento era perdê-la em meio à escuridão. Não me perdoaria se ela se machucasse
novamente.
Mas quer um
conselho? Nunca corra no escuro. Tropicamos em uma raiz sobressalente e caímos
um para cada lado. Uma criatura reptiliana saltou sobre mim. Parecia ser um
lagarto humanoide, não era muito grande, mas tinha uma força anormal. Sua pele
era escamosa e nojenta, a calda era fina e pontiaguda, parecendo a uma lança
flexível e afiada. Ele me segurava no chão, enquanto balançava a calda no alto,
pronto para me perfurar. Sua língua bifurcada tocava o meu rosto em movimentos
constantes — se eu não soubesse que ele estava querendo me matar, eu pensaria
que estava tentando me beijar.
Mas para
minha surpresa e mais ainda do monstro, Maia surgiu com sua adaga mágica e a
enterrou nas costas da criatura. Com um urro ensurdecedor ele me largou,
cambaleou e explodiu se transformando em nada.
— Você está
bem? — perguntou Maia.
— Na
verdade, estou me sentindo um pouco constrangido, nunca tinha sido beijado por
um lagarto gigante — respondi limpando a saliva reptiliana do meu rosto.
Maia esboçou
um pequeno sorriso. Em meio às trevas, esse sorriso era a única coisa que me
trazia paz.
— Acho
melhor continuarmos correndo, antes que outras criaturas apareçam para beijá-lo — declarou ela com ênfase na
última palavra.
— Engraçadinha… ABAIXE-SE!
Um segundo
após eu puxar Maia para o chão, um machado passou girando sobre nossas cabeças
e se enterrou em uma árvore.
Apertei os
olhos para enxergar uma sombra enorme, se movendo lentamente em nossa direção.
A visibilidade estava muito ruim, mas pude perceber de quem veio o frisbee assassino. Era a mesma espécie
de monstro que vi na feira de Austin Street, no dia em que Maia e eu nos
conhecemos.
Um Orc.
Era grande,
feio e muito forte. Ele não estava usando nenhum tipo de camiseta ou proteção
corporal. Usava apenas uma sunga de couro e um colar, com uma pedra vermelha
pendurada. Se essa for à nova moda do apocalipse, eu to fora.
Esse cara não
é o tipo de criatura que você gostaria de encontrar em um lugar escuro.
Infelizmente, nós estávamos em um lugar escuro e o encontramos.
Maia estava
agindo por instinto. Mesmo sem lembrar de nada, ela lutava como uma caçadora
experiente. Com um movimento involuntário, ela ergueu os braços e o Arco do Sul surgiu em suas mãos. Em um
milissegundo uma flecha voava na direção do monstro.
Você quer a
noticia boa ou ruim primeiro? A boa é que ela acertou em cheio o Orc. A ruim é que a flecha apenas
ricocheteou na pele da criatura, sem deixar nem mesmo um arranhão.
— HÁ, HÁ,
HÁ! — gargalhou o Orc. — Minha pele é impenetrável, suas armas sagradas são
inúteis.
Dito isso,
vocês devem imaginar que a atitude mais inteligente seria correr para bem
longe, não é mesmo? Você já deveria saber que não sou muito inteligente.
Invoquei minha espada e investi contra a criatura.
Era como se
eu estivesse batendo em metal. O monstro usava os braços como escudo,
produzindo faíscas a cada golpe. Minha espada era inútil contra o homem de aço.
Maia também não havia desistido, ela continuava lançando flechas
esporadicamente, tentando encontrar uma brecha. Mas parecia que a criatura
estava sendo atingida por flores ao invés de flechas.
— Você é
mesmo durão — falei arfando —, mas vamos ver como reage a isso!
Fiz uma
camada de fogo surgir em minhas mãos. Concentrei-me na Chama Sagrada e tentei dar forma as chamas. Mas o máximo que
consegui fazer foi uma bola de fogo. Sem hesitar, a lancei na direção da
criatura, como se estivesse jogando uma partida de queimada. — Queimada?
Entendeu? Desculpem o trocadilho, não resisti.
Ela se
chocou contra o abdômen do monstro e… bem, dessa vez eu gostaria de dizer que
deu tudo certo e o Orc explodiu em
mil pedacinhos. Mas não foi assim que aconteceu. A bola de fogo apenas o
atingiu e se dissipou para os lados, sem causar dano algum.
— Você não
pode me ferir, caçador! — exclamou o gigante.
O fogo
ricocheteou para os lados, incendiando algumas árvores próximas. Agora podíamos
ver a criatura com mais clareza, devido à luz que as chamas produziam. Ele era
uma nova definição para a palavra feio. Parecia
que tinham batido centenas de vezes com uma pedra na cara dele. Pela primeira
vez desejei voltar para o escuro.
O monstro
caminhou lentamente até a árvore, onde seu machado estava enterrado e o
retirou. — Oliver Turner, você só está respirando ainda, porque o mestre Rendar mandou levá-lo com vida.
— Nossa, eu
deveria ficar agradecido?
— Realmente
não entendo o porquê de meu mestre quere-lo vivo. Você é apenas um garoto
insignificante — disse a criatura se aproximando ainda mais.
— Estou
ofendido com essa última parte, mas vou relevar — respondi me afastando
lentamente.
— Oliver… —
chamou Maia. — Eu acho que sei…
O monstro
parou bruscamente e balançou seu machado gigante. Ele era feito com uma pedra afiada,
proporcional ao tamanho da criatura. Se eu tentasse levantá-lo, provavelmente
passaria vergonha. O cabo era de madeira, com um trapo velho enrolado na
empunhadura.
— Já chega,
vocês perderam — declarou o Orc,
antes de avançar em nossa direção, com seu machado gigante no alto.
Saltamos
simultaneamente para lados opostos. No lugar onde estávamos sobrou apenas à
arma medieval da criatura, enterrada no solo.
— Oliver… —
chamou Maia novamente. Eu estava atônito demais, não conseguia prestar atenção
no que ela dizia.
O monstro
levantou o machado do chão e o arremessou em minha direção, como se fosse um frisbee.
Não consegui
ver muitas coisas, mas pude perceber Maia se lançando sobre mim segundos antes
do frisbee mortal me partir ao meio —
ainda estou tentando entender à definição de: “me levar vivo”, desse cara.
Caímos e
rolamos no chão. Por fim, Maia parou em cima de mim, com seu rosto colado ao
meu.
— O colar! —
gritou ela.
Minha mente
lenta tentou processar a informação, mas não conseguiu.
O monstro
avançou sobre nós, e teria nos pisoteado se não tivéssemos rolado para o outro
lado, no último instante. Dessa vez eu estava em cima dela.
— Do que
você está falando? Que colar…
De repente
tudo ficou claro para mim, consegui entender o que ela estava querendo dizer.
— Toda vez
que o acertamos com alguma coisa, aquele colar brilha — explicou Maia. — Essa
invulnerabilidade só pode vir do colar!
Mesmo sem
memória alguma, ela ainda é o cérebro da equipe.
Levantamos
mais uma vez. E não foi preciso nem palavras para traçar nossa estratégia,
apenas trocamos um olhar e um aceno de cabeça. E então corremos para lados
opostos.
Como era
esperado, o monstro depositou sua atenção sobre mim.
— Não há
para onde correr, Oliver Turner! Logo você estará na presença do deus dragão… —
Antes que a criatura pudesse terminar de falar, Maia apareceu por trás e saltou
sobre ele.
O monstro
tentava de todas as formas se desvencilhar da garota agarrada em suas costas,
mas não conseguia. Maia o segurava pelo pescoço e o puxava para trás, como se
tivesse tentando um estrangulamento. Mas o Orc
era extremamente forte e ela não conseguiu segurar por muito tempo. Logo o
monstro conseguiu pegá-la e a jogou para longe, como se fosse um saco de
batatas. Enfurecido, ele se preparava para avançar contra Maia, que estava
caída.
— Heey?! —
chamei sua atenção para mim. Imediatamente criei uma bola de fogo na palma da
minha mão novamente.
— Você ainda
não aprendeu?! — gritou o monstro enraivecido. — EU SOU INVENCÍVEL!
— Tem
certeza disso? — perguntou Maia do outro lado, com um colar vermelho nas mãos.
O monstro
olhou para ela, tateou o peito em busca de seu colar e me encarou com os olhos
arregalados. A última coisa que ele viu, foi uma bola de fogo indo até sua
direção.
Dessa vez
ela explodiu no peito da criatura e se espalhou como se ele estivesse coberto
de gasolina. O Orc gritava e xingava,
enquanto as chamas derretiam sua pele, outrora dura e impenetrável.
CLAP, CLAP, CLAP!
— Muito bem, Oliver. Você passou no teste
— disse uma voz sombria, vinda da escuridão.
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