Capítulo vinte seis - Um frisbee gigante quase me cortou ao meio



Tudo aconteceu muito rápido.



Em um momento, estávamos parados absortos, observando uma sombra mística emergir de um vulcão em erupção. Segundos depois, encontrávamo-nos correndo em uma floresta escura e assustadora.



No instante em que Rendar apareceu, as nuvens tempestuosas deram lugar a uma total escuridão, transformando aquele belo paraíso em um inferno sombrio. Literalmente falando, o dia virou noite. Mas uma noite sem estrelas, sem o brilho da Lua.



Uma noite sem esperança.



— Oliver…? — chamou Maia com temor na voz. — Você está sentindo isso?



Minhas pernas tremeram. Uma energia negativa pairava no ar, era como se a própria atmosfera estivesse tentando nos matar. Sentia como se o mal fosse sólido e pudesse nos tocar a qualquer momento. Mesmo com todo o poder da Chama Sagrada dentro de mim, admito que senti medo do que estava prestes a acontecer.



— Maia…



GRRRRAAAALLL!



Não tivemos tempo para conversar ou planejar o que fazer. Um exército de monstros surgiu em meio à escuridão. Eram ogros, trolls, goblins, ettercaps e eu poderia jurar que vi uma espécie de macaco gigante lançando bananas explosivas no ar.



Estávamos em desvantagem, nossa única opção era correr. E foi assim que fizemos. Entramos floresta adentro, na direção contrária aos monstros malignos.



A sensação de estar sendo perseguido no escuro é aterrorizante. Rugidos monstruosos e uivos agonizantes ecoavam naquela noite sombria. O ar continuava pesado e a escuridão cada vez mais intensa. Sabe quando você está no escuro e depois de um tempo as coisas ficam mais claras e visíveis? Isso não aconteceu dessa vez. Parecia que cada vez estávamos nos aprofundando mais naquele breu assustador.



Nem por um instante eu deixei de segurar a mão de Maia. A última coisa que precisava nesse momento era perdê-la em meio à escuridão. Não me perdoaria se ela se machucasse novamente.



Mas quer um conselho? Nunca corra no escuro. Tropicamos em uma raiz sobressalente e caímos um para cada lado. Uma criatura reptiliana saltou sobre mim. Parecia ser um lagarto humanoide, não era muito grande, mas tinha uma força anormal. Sua pele era escamosa e nojenta, a calda era fina e pontiaguda, parecendo a uma lança flexível e afiada. Ele me segurava no chão, enquanto balançava a calda no alto, pronto para me perfurar. Sua língua bifurcada tocava o meu rosto em movimentos constantes — se eu não soubesse que ele estava querendo me matar, eu pensaria que estava tentando me beijar.



Mas para minha surpresa e mais ainda do monstro, Maia surgiu com sua adaga mágica e a enterrou nas costas da criatura. Com um urro ensurdecedor ele me largou, cambaleou e explodiu se transformando em nada.



— Você está bem? — perguntou Maia.



— Na verdade, estou me sentindo um pouco constrangido, nunca tinha sido beijado por um lagarto gigante — respondi limpando a saliva reptiliana do meu rosto.



Maia esboçou um pequeno sorriso. Em meio às trevas, esse sorriso era a única coisa que me trazia paz.



— Acho melhor continuarmos correndo, antes que outras criaturas apareçam para beijá-lo — declarou ela com ênfase na última palavra.



Engraçadinha… ABAIXE-SE!



Um segundo após eu puxar Maia para o chão, um machado passou girando sobre nossas cabeças e se enterrou em uma árvore.



Apertei os olhos para enxergar uma sombra enorme, se movendo lentamente em nossa direção. A visibilidade estava muito ruim, mas pude perceber de quem veio o frisbee assassino. Era a mesma espécie de monstro que vi na feira de Austin Street, no dia em que Maia e eu nos conhecemos.



Um Orc.



Era grande, feio e muito forte. Ele não estava usando nenhum tipo de camiseta ou proteção corporal. Usava apenas uma sunga de couro e um colar, com uma pedra vermelha pendurada. Se essa for à nova moda do apocalipse, eu to fora.



Esse cara não é o tipo de criatura que você gostaria de encontrar em um lugar escuro. Infelizmente, nós estávamos em um lugar escuro e o encontramos.



Maia estava agindo por instinto. Mesmo sem lembrar de nada, ela lutava como uma caçadora experiente. Com um movimento involuntário, ela ergueu os braços e o Arco do Sul surgiu em suas mãos. Em um milissegundo uma flecha voava na direção do monstro.



Você quer a noticia boa ou ruim primeiro? A boa é que ela acertou em cheio o Orc. A ruim é que a flecha apenas ricocheteou na pele da criatura, sem deixar nem mesmo um arranhão.



— HÁ, HÁ, HÁ! — gargalhou o Orc. — Minha pele é impenetrável, suas armas sagradas são inúteis.



Dito isso, vocês devem imaginar que a atitude mais inteligente seria correr para bem longe, não é mesmo? Você já deveria saber que não sou muito inteligente. Invoquei minha espada e investi contra a criatura.



Era como se eu estivesse batendo em metal. O monstro usava os braços como escudo, produzindo faíscas a cada golpe. Minha espada era inútil contra o homem de aço. Maia também não havia desistido, ela continuava lançando flechas esporadicamente, tentando encontrar uma brecha. Mas parecia que a criatura estava sendo atingida por flores ao invés de flechas.



— Você é mesmo durão — falei arfando —, mas vamos ver como reage a isso!



Fiz uma camada de fogo surgir em minhas mãos. Concentrei-me na Chama Sagrada e tentei dar forma as chamas. Mas o máximo que consegui fazer foi uma bola de fogo. Sem hesitar, a lancei na direção da criatura, como se estivesse jogando uma partida de queimada. — Queimada? Entendeu? Desculpem o trocadilho, não resisti.



Ela se chocou contra o abdômen do monstro e… bem, dessa vez eu gostaria de dizer que deu tudo certo e o Orc explodiu em mil pedacinhos. Mas não foi assim que aconteceu. A bola de fogo apenas o atingiu e se dissipou para os lados, sem causar dano algum.



— Você não pode me ferir, caçador! — exclamou o gigante.



O fogo ricocheteou para os lados, incendiando algumas árvores próximas. Agora podíamos ver a criatura com mais clareza, devido à luz que as chamas produziam. Ele era uma nova definição para a palavra feio. Parecia que tinham batido centenas de vezes com uma pedra na cara dele. Pela primeira vez desejei voltar para o escuro.



O monstro caminhou lentamente até a árvore, onde seu machado estava enterrado e o retirou. — Oliver Turner, você só está respirando ainda, porque o mestre Rendar mandou levá-lo com vida.



— Nossa, eu deveria ficar agradecido?



— Realmente não entendo o porquê de meu mestre quere-lo vivo. Você é apenas um garoto insignificante — disse a criatura se aproximando ainda mais.



— Estou ofendido com essa última parte, mas vou relevar — respondi me afastando lentamente.



— Oliver… — chamou Maia. — Eu acho que sei…



O monstro parou bruscamente e balançou seu machado gigante.  Ele era feito com uma pedra afiada, proporcional ao tamanho da criatura. Se eu tentasse levantá-lo, provavelmente passaria vergonha. O cabo era de madeira, com um trapo velho enrolado na empunhadura.



— Já chega, vocês perderam — declarou o Orc, antes de avançar em nossa direção, com seu machado gigante no alto.



Saltamos simultaneamente para lados opostos. No lugar onde estávamos sobrou apenas à arma medieval da criatura, enterrada no solo.



— Oliver… — chamou Maia novamente. Eu estava atônito demais, não conseguia prestar atenção no que ela dizia.



O monstro levantou o machado do chão e o arremessou em minha direção, como se fosse um frisbee.



Não consegui ver muitas coisas, mas pude perceber Maia se lançando sobre mim segundos antes do frisbee mortal me partir ao meio — ainda estou tentando entender à definição de: “me levar vivo”, desse cara.



Caímos e rolamos no chão. Por fim, Maia parou em cima de mim, com seu rosto colado ao meu.



— O colar! — gritou ela.



Minha mente lenta tentou processar a informação, mas não conseguiu.



O monstro avançou sobre nós, e teria nos pisoteado se não tivéssemos rolado para o outro lado, no último instante. Dessa vez eu estava em cima dela.



— Do que você está falando? Que colar…



De repente tudo ficou claro para mim, consegui entender o que ela estava querendo dizer.



— Toda vez que o acertamos com alguma coisa, aquele colar brilha — explicou Maia. — Essa invulnerabilidade só pode vir do colar!



Mesmo sem memória alguma, ela ainda é o cérebro da equipe.



Levantamos mais uma vez. E não foi preciso nem palavras para traçar nossa estratégia, apenas trocamos um olhar e um aceno de cabeça. E então corremos para lados opostos.



Como era esperado, o monstro depositou sua atenção sobre mim.



— Não há para onde correr, Oliver Turner! Logo você estará na presença do deus dragão… — Antes que a criatura pudesse terminar de falar, Maia apareceu por trás e saltou sobre ele.



O monstro tentava de todas as formas se desvencilhar da garota agarrada em suas costas, mas não conseguia. Maia o segurava pelo pescoço e o puxava para trás, como se tivesse tentando um estrangulamento. Mas o Orc era extremamente forte e ela não conseguiu segurar por muito tempo. Logo o monstro conseguiu pegá-la e a jogou para longe, como se fosse um saco de batatas. Enfurecido, ele se preparava para avançar contra Maia, que estava caída.



— Heey?! — chamei sua atenção para mim. Imediatamente criei uma bola de fogo na palma da minha mão novamente.



— Você ainda não aprendeu?! — gritou o monstro enraivecido. — EU SOU INVENCÍVEL!



— Tem certeza disso? — perguntou Maia do outro lado, com um colar vermelho nas mãos.



O monstro olhou para ela, tateou o peito em busca de seu colar e me encarou com os olhos arregalados. A última coisa que ele viu, foi uma bola de fogo indo até sua direção.



Dessa vez ela explodiu no peito da criatura e se espalhou como se ele estivesse coberto de gasolina. O Orc gritava e xingava, enquanto as chamas derretiam sua pele, outrora dura e impenetrável.



CLAP, CLAP, CLAP!



Muito bem, Oliver. Você passou no teste — disse uma voz sombria, vinda da escuridão. 


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