Capítulo vinte quatro - Um ótimo dia para ser incendiado



Uma labareda de fogo surgiu ao meu redor. Permaneci imóvel. Encontrava-me completamente cercado pelas chamas. Eu não sabia exatamente o que fazer, o calor era muito grande e atrapalhava os meus pensamentos. Quando fechei os olhos o fogo veio até mim e tomou conta de cada centímetro do meu corpo.


Mas antes disso...


― Estou lhe oferecendo poder, Oliver. Um poder do qual você nunca sonhou. Pegue a Chama Sagrada e será um dos mortais mais poderosos do mundo! ― exclamou a Salamandra atirando uma bola de fogo para cima.


― Nunca desejei todo esse poder. Apenas preciso dele para impedir o fim do mundo, mas não o quero dessa forma ― declarei.


― Essa é sua última palavra?! ― questionou a Salamandra.


Dei um passo à frente empunhando a Espada do Oeste. Posicionei-me como um guerreiro confiante, mesmo estando apavorado com a ideia de enfrentar aquela criatura milenar.


― Sim!


A elemental pareceu desapontada, mas ao mesmo tempo curiosa. 


― Você gosta tanto assim da garota? ― perguntou ela mais uma vez.


― Não se trata apenas disso.


― Então o que?!


― Eu faria isso por qualquer pessoa. Eu não sou nenhum tipo de deus para decidir quem deve morrer ou viver. Enquanto existir uma chance de salvar alguém, farei isso sem hesitar ― respondi.


― Mas e o dragão? ― continuou a criatura com o interrogatório.


Mantendo a espada erguida olhei diretamente para a elemental. Seus olhos de fogo brilhavam intensamente, enquanto chamas serpenteavam seu corpo.


― Enfrentá-lo antes de seu despertar seria o caminho mais fácil, não há como negar. Mas se for pra salvar a vida de alguém, eu prefiro trilhar o caminho mais difícil ― expliquei fechando o punho. ― Primeiro salvarei Maia, depois cuidaremos desse monstro idiota, juntos.


A Salamandra continuava a me encarar, como se não estivesse acreditando em minhas palavras. 


― Você é um garoto interessante, Oliver Turner. Gostaria de ter mais tempo para conversar com você. Mas receio que nossa conversa termina por aqui.


Em uma velocidade que meus olhos não conseguiram acompanhar, ela se transformou em uma bola de fogo e se lançou sobre mim. Pensei em desviar, mas infelizmente meu corpo não reagiu. A elemental me acertou diretamente no peito com uma força assombrosa, o impacto me jogou para trás como um boneco de pano. Meu corpo inteiro reagiu ao golpe, com dificuldade pus-me de pé novamente, era como se um elefante em chamas tivesse passado por cima de mim. 


― Tem certeza que não quer repensar? ― perguntou a Salamandra enquanto produzia em suas mãos bolas de fogo. Ela continuava acesa, a cada segundo que se passava, as chamas ao seu redor se tornavam mais intensas. 


― Já disse que não! ― gritei. 


Não sei até que ponto podemos chamar isso de coragem, talvez fosse apenas loucura mesmo. Mas eu não voltaria atrás de minhas palavras, lutaria até o final para salvar a todos.


― Se você prefere assim, eu entendo ― disse ela ―, essa luta acaba agora.


A Salamandra abriu os braços e começou a brilhar com mais intensidade do que antes. Os raios de luz eram fortes o suficiente para me cegar. Um zumbido agudo tomou conta dos meus ouvidos e meu corpo começou a formigar, como se estivesse sendo estilhaçado de dentro para fora. Por um momento pensei que ela tivesse se autodestruído ― explodindo todo o lugar ―, inclusive a mim. 


Abri os meus olhos devagar. Minha visão ainda estava turva e meus ouvidos zumbiam.
 
― Estou morto? ― perguntei.


― Você tem que parar de perguntar isso, garoto ― respondeu uma voz conhecida. 


― Belenus! ― exclamei. ― O que...?


Estávamos mais uma vez no palácio de jogos do deus do fogo, quando os meus olhos voltaram ao normal, pude vê-lo escorado em uma de suas maquinas de fliperama.


― Você conseguiu Oliver. Venceu todos os desafios da Chama Sagrada.

Meu estômago revirou nesse momento, senti uma breve tontura e cambaleei até a poltrona mais próxima. 


― Do que você está falando? Eu falhei miseravelmente, não consegui nem me mover no último desafio ― lamentei baixando a cabeça.


 ― HÁ, HÁ, HÁ! ― gargalhou Belenus. ― A elemental exagerou um pouco na atuação, talvez você a tenha irritado.


Se eu pudesse me ver, provavelmente diria que minha expressão era indescritível. As palavras do deus não faziam sentido, minha mente estava girando como um carrossel alucinado.


― Não-o ente-endo...


― Permita-me explicar ― disse Belenus. 


Ele estalou os dedos e outra poltrona apareceu em minha frente, onde se sentou me encarando.


― Os desafios eram difíceis, foram feitos para testar todo o seu ser.


― Eu percebi essa parte ― falei fazendo uma careta.

Belenus suspirou.


― Espero que você entenda o porquê dos desafios possuírem tamanha dificuldade. Se fossem fáceis, qualquer um poderia colocar as mãos na Chama Sagrada ― explicou o deus do fogo.


Mesmo me sentindo um pouco contrariado, precisei concordar. Ele estava certo referente a isso, se fosse fácil chegar até a chama, qualquer um poderia pegá-la, inclusive um certo dragão maligno.


― O primeiro desafio serviu para testar o seu poder. Felizmente você é meu descendente, herdou minhas habilidades de combate ― declarou ele fechando o punho. ― Você passou com louvor, as formigas tentaram, mas foram dizimadas pelo seu poder.


Nesse momento, como um soco no estômago, lembrei-me de algo.


― Maia! ― exclamei, pondo-me de pé.


Belenus levantou a mão e fiz um sinal para que eu me sentasse novamente. Precisei me controlar para não socar a cara do deus. 


― O segundo desafio era para testar a sua inteligência. Somente os sábios poderiam chegar até a Chama Sagrada ― explicou ele. ― Você demonstrou possuir essa capacidade, mesmo que não a use com frequência. 


― Hey...


― E por fim, o último desafio.


― O fracasso ― falei.


― Pelo contrário, Oliver. 


― Como assim? ― perguntei franzindo o cenho. 


― Muito bem, vou lhe dizer. Mas... ― ele fez uma pausa e olhou ao redor ― não prefere jogar uma partida de bilhar antes?


― NÃO! ― exclamei.


Ele bufou e revirou os olhos. 


― Você sabe que não tenho muita companhia por aqui, não sabe? Os outros deuses possuem gostos diferentes e não costumam vir me visitar.


Os deuses eram na maioria das vezes egocêntricos e egoístas, mas admito que dessa vez senti um pouco de penas de Belenus. Não deve existir nada mais triste do que viver para sempre, mergulhado na solidão, mesmo que você seja um deus.


― Ahn... ― suspirei ― Tudo bem, mas vamos fazer assim: depois que isso tudo acabar, prometo que voltarei aqui para jogarmos uma boa partida de bilhar.


Por alguns segundos ele me analisou seriamente, mas logo abriu um sorriso amistoso.


― Perfeito! Depois de sua batalha com Rendar, irei lhe ensinar o bilhar dos deuses. Se você sobreviver, é claro.


― Nossa! Obrigado por me lembrar dessa incrível possibilidade.


― De nada, mas vamos ao que interessa ― disse o deus do fogo sem entender a ironia em minhas palavras. ― Sabe aquela história de luta com a Salamandra? Tudo papo furado, o desafio não era esse.


― O que?! ― questionei me sentindo extremamente desconfiado.


― O desafio final, nada mais é do que um teste de caráter.


Continuei em silêncio, esperando que ele explicasse melhor as coisas.


― Pense Oliver. A elemental lhe ofereceu o poder absoluto da Chama Sagrada de bom grado, tudo que você precisava fazer era deixar sua parceira morrer. O que você acha que um homem de má índole faria em seu lugar?


― Err... deixaria o parceiro morrer?


― Exato! ― exclamou o deus ― Esse era o verdadeiro desafio, aqueles que possuem sede de poder, perecem. 


Endireitei-me na poltrona e com os olhos arregalados perguntei:


― Isso que-er diz-zer que... que-e eu consegui?


― Isso mesmo. Em mil anos, você foi o único que conseguiu chegar até a Chama Sagrada ― concluiu Belenus.


Ele se levantou e deu a volta na minha poltrona, quando tocou no meu ombro tudo ao nosso redor desapareceu. Em um piscar de olhos não estávamos mais no playground do deus do fogo e sim em uma caverna. Encontrávamo-nos aos pés de uma escadaria, talvez uns trinta degraus para cima. No último degrau era possível avistar uma chama azul crepitando com grande intensidade. 


Eu estava perplexo com aquela visão, era diferente de tudo que eu já havia visto. Era lindo. Era perigoso. Era poderoso. O fogo começou a descer as escadas lentamente, deixando um rastro azul brilhante para trás.


― Você é merecedor, Oliver Turner. Receba sua recompensa, a Chama Sagrada.

Uma labareda de fogo surgiu ao meu redor. Permaneci imóvel. Encontrava-me completamente cercado pelas chamas. Eu não sabia exatamente o que fazer, o calor era muito grande e atrapalhava os meus pensamentos. Quando fechei os olhos o fogo veio até mim e tomou conta de cada centímetro do meu corpo.


No inicio doeu um pouco, mas alguns segundos depois a dor se transformou em alegria. Era como se o fogo e eu nos tornássemos um só. Eu podia senti-lo em cada parte do meu corpo, mas ao invés de queimar, ele estava me fortalecendo. 


Todo aquele fogo foi absorvido para dentro de mim, até não sobrar nenhuma faísca no chão. Quando percebi que as chamas haviam desaparecido, abri os meus olhos.

Eu estava literalmente em chamas.


 ― Como se sente? ― perguntou Belenus.


Olhei para a palma das minhas mãos, estavam pegando fogo, levemente essas chamas se apagaram e eu voltei ao normal. Mas ainda sentia uma fonte inesgotável de poder fluindo dentro de mim. 


― Estou me sentindo ótimo! ― exclamei fechando o punho, nesse momento ele voltou a pegar fogo. Quando relaxei, a chama se extinguiu. 


― É... parece que você está pronto para sua missão agora ― disse o deus do fogo.


― E Maia?! ― questionei.


― No seu bolso ― disse ele apontando para mim.


Tateei meu bolso e encontrei um pequeno frasco, contendo um liquido roxo brilhante.

― O antídoto!


O deus do fogo apenas assentiu.


― Agora você precisa ir, o tempo realmente está se esgotando. Encontrará a garota no lado de fora da caverna. Use este portal para chegar até mais rápido ― concluiu o deus estalando os dedos e fazendo surgir um circulo luminoso ao meu lado. ― Boa sorte, Oliver Turner.


Encarei o portal com um sorriso travesso no rosto, dessa vez estava me sentindo confiante de verdade. 


― Está na hora de caçar um dragão mal criado!


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