Dessa
vez, o portal funcionou sem surpresas. Em um momento me encontrava no interior
de uma caverna escura e no outro estava respirando o ar livre da superfície. Eu
poderia ficar ali parado por um bom tempo, apenas sentindo aquela brisa suave
tocar a minha pele, absorvendo o doce cheiro da maresia e tentando fingir que
estava tudo bem. Mas não estava. O mundo continuava correndo o risco de acabar
e era o meu dever lutar para impedir esse desastre.
Nossa
barraca mágica encontrava-se há alguns metros da caverna. Com o antidoto na
mão, me lancei até ela. Maia continuava agonizando, a marca do Ettercap havia
se espalhado por toda a extensão do seu corpo.
―
Vamos, beba tudo ― falei virando o liquido roxo em sua boca. ― Logo você estará
bem.
Pela
expressão de asco no rosto de dela, era possível imaginar que o antidoto não
tinha um gosto agradável de uva. Mas pelo menos era eficiente, no mesmo
instante as marcas começaram a brilhar e desaparecer.
Respirei
aliviado.
―
O qu-ue...? ― balbuciou Maia, abrindo os olhos lentamente.
―
Está tudo bem ― disse acariciando seus cabelos loiros.
Ela
percorreu a barraca com o olhar e parou fixamente em mim. Em um movimento
rápido e inesperado, ela segurou meu braço e o puxou. Na surpresa, acabei
cedendo ao seu golpe e caindo imobilizado no chão.
―
Quem é você, garoto? ― perguntou ela, torcendo meu braço nas costas. ― E que
lugar é esse?
―
Também estou feliz em te ver ― declarei enquanto tentava me mexer, mas ela
forçou ainda mais a imobilização. ― Aaaii...
está bem, está bem. Sou eu,
Oliver.
Ela
afrouxou um pouco, mas continuou me segurando firme.
―
Nos conhecemos? ― questionou Maia.
―
Você está brincando, né?
―
Eu pareço estar brincando?! ― gritou ela torcendo ainda mais meu braço.
―
Aaaaii! ― reclamei. ― Não, não parece
que você está brincando.
―
E então?
―
Sim, nos conhecemos. Nós estamos em uma missão juntos. O que está acontecendo
com você?
―
Eu é que faço as perguntas aqui ― disse ela ainda me prendendo. ― Onde estamos?
―
Isso é serio? Porque se você... ― Mais uma vez ela pressionou meu braço contra
mim. ― Hawaii! Hawaii! Estamos no
Hawaii!
Ela
me segurou por mais alguns segundos, mas logo soltou. Cambaleou para trás e
caiu agachada com as mãos na cabeça.
Parei na frente dela e abaixei-me devagar.
―
Maia...?
Ela
estendeu a mão pedindo que eu me afastasse.
―
Minha cabeça está doendo muito ― reclamou ela ainda no chão. ― Está tudo em
branco, não consigo me lembrar de nada.
Quando
finalmente eu penso que não teríamos mais surpresas, isso acontece. Maia estava
arrasada, confusa, abalada. Eu precisava mostrar que ela podia confiar em mim.
Precisava ajuda-la mais uma vez.
―
Qual sua última lembrança? ― perguntei aproximando-me.
Ela
levantou os olhos marejados pelas lágrimas. Seus olhos demonstravam que estava perdida
e com medo.
―
A única coisa que consigo lembrar é o meu nome, nada mais.
Sentei-me
ao seu lado.
―
Isso é curioso... talvez seja alguma sequela do veneno do Ettercap... ou pode ser um efeito colateral do antidoto... se for
isso, vou ter uma conversa seria com Belenus.
―
Do que você está falando? ― questionou ela secando as lágimas.
―
Err... é uma longa história.
Comecei
a contar algumas coisas que aconteceram até aquele momento, fazendo um breve
resumo dos fatos.
―
Isso mesmo, quando nos conhecemos eu acabei com um ogro assassino. O monstro
era enorme, devia ter uns quinze metros e eu posso jurar que ele voava ―
expliquei, talvez aumentando um pouco algumas coisas. ― Foi por pouco Maia, ele
era extremamente poderoso. Mas graças a minha sagacidade, ele virou fumaça.
―
Isso é incrível! ― exclamou ela.
―
Obrigado ― agradeci sorrindo.
―
E sobre aqueles monstrinhos que você mencionou... goblins, não é? O que
aconteceu?
―
Ahn... Err... n-não foi na-ada demais
― falei dando uma tossida para disfarçar.
Por
fim, contei a história toda, desde nosso primeiro encontro até aquele momento.
Decidi não mencionar nosso... beijo.
Eu não queria ter que lembra-la sobre algo desse tipo e também poderia parecer
que eu estava me aproveitando da situação.
Durante
todo o relato, Maia me encarava com uma expressão de incredulidade no rosto.
Provavelmente a mesma cara que eu fiz quando ela me contou essa história
maluca.
―
Sei que pode parecer loucura... esse lance de monstros e caçadores. Mas é tudo
verdade.
―
Eu...
―
Ah! E antes que você pergunte. Não, nós não podemos voar ― lamentei.
―
O que?
―
Ahn... nada.
―
Você é um garoto interessante, Oliver Turner. Mesmo não lembrando nada, sinto
que posso confiar em você e fico feliz por sermos amigos.
―
Isso é bom ― respondi olhando nos seus olhos. ― Hum... a conversa está boa, mas eu preciso ir ― falei pondo-me de
pé. ― Preciso derrotar um dragão maligno e salvar o mundo.
―
Nossa! Você é sempre assim confiante ou só está querendo me impressionar? ―
perguntou ela estendendo a mão para que eu lhe ajudasse a levantar também.
―
O que?! Não. Se eu quisesse lhe impressionar faria isso ― estendi o braço e
abri a mão, no mesmo instante uma pequena bola de fogo se projetou sobre ela. A
chama dançou em minha palma conforme meus comandos, ainda não tinha feito isso,
mas percebi que era fácil de controlar. Quando fechei o punho, o fogo
desapareceu.
―
Uau! ― exclamou ela batendo palmas. ― Você mostra esse truque para todas as
garotas com amnésia?
―
É claro que não, apenas para as malucas que me convidam para caçar monstros.
Ela
deu um soco no meu braço e começou a rir.
Era
bom ver aquele sorriso novamente, quando ela foi envenenada achei que fosse perdê-la para sempre. Mesmo que ela nunca volte a
se lembrar de mim, fico feliz por estar viva.
Ao
sair da barraca percebemos que a situação estava se alarmando. O céu havia
escurecido, alguns pequenos tremores causavam desmoronamentos dentro da caverna
ao lado. Tudo isso era imperceptível de dentro da tenda mágica, pois sua magia
nos protegia das coisas sobrenaturais.
―
Eu preciso ir ― falei.
―
Nós precisamos ir ― corrigiu Maia.
Não
poderia deixar ela se machucar mais uma vez.
―
Maia... talvez sua amnésia seja um sinal. Acho melhor você ficar aqui, se
esconda dentro da barraca até as coisas se acalmarem.
―
O que?! ― exclamou ela com as mãos na cintura. ― Você disse que estávamos
juntos nessa, não vou lhe deixar sozinho agora.
―
Mas você não se lembra de nada, como vai lutar contra os monstros?
―
Não sei explicar, mas tenho certeza que consigo me defender.
―
Ah é? Então se defenda disso ― saltei sobre ela. Mas, Maia foi mais rápida.
Além de evitar minha investida, ainda pôs a perna na minha frente e me
derrubou.
―
O que você estava falando mesmo? ― caçoou ela estendendo a mão para me
levantar.
―
Tudo bem, você ainda tem os reflexos de uma guerreira. Mas e seu arco? Consegue
invoca-lo?
Ela
revirou os olhos e suspirou.
―
Chega de perguntas, senhor teimoso. Eu
vou com você e pronto.
Meu
coração acelerou ao ouvir esse apelido, ela me chamava assim desde o dia que
nos conhecemos.
―
Do que você me chamou? ― perguntei.
―
Hum... teimoso? Você é mesmo, teimoso
e irritante ― respondeu ela. ― Eu posso não lembrar nada, mas sinto dentro de
mim que não posso me esconder disso, eu devo seguir em frente.
Ela
poderia estar lembrando algumas coisas, isso é bom. E conhecendo Maia, eu
deveria imaginar que ela jamais aceitaria se esconder de uma luta, mesmo com
amnésia.
―
Você está certa, só existe uma forma de vencermos isso... juntos ― declarei.
―
Obrigada.
―
Mas vamos logo, temos pouco tempo...
BUUUUUUUM
Com
um barulho ensurdecedor... o vulcão Kilauea
entrou em erupção, espalhando lava ao seu redor. Uma sombra enorme e
assustadora emergiu do interior da cratera, alçando voo no céu escuro e
tempestuoso.
―
Ãhn... Maia? Esquece o que eu disse
sobre termos pouco tempo ― falei ―, na verdade, acho que nosso tempo acabou.
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