Capítulo vinte cinco - Mais uma surpresa no caminho



Dessa vez, o portal funcionou sem surpresas. Em um momento me encontrava no interior de uma caverna escura e no outro estava respirando o ar livre da superfície. Eu poderia ficar ali parado por um bom tempo, apenas sentindo aquela brisa suave tocar a minha pele, absorvendo o doce cheiro da maresia e tentando fingir que estava tudo bem. Mas não estava. O mundo continuava correndo o risco de acabar e era o meu dever lutar para impedir esse desastre.

Nossa barraca mágica encontrava-se há alguns metros da caverna. Com o antidoto na mão, me lancei até ela. Maia continuava agonizando, a marca do Ettercap havia se espalhado por toda a extensão do seu corpo.

― Vamos, beba tudo ― falei virando o liquido roxo em sua boca. ― Logo você estará bem.
Pela expressão de asco no rosto de dela, era possível imaginar que o antidoto não tinha um gosto agradável de uva. Mas pelo menos era eficiente, no mesmo instante as marcas começaram a brilhar e desaparecer.

Respirei aliviado.

― O qu-ue...? ― balbuciou Maia, abrindo os olhos lentamente.

― Está tudo bem ― disse acariciando seus cabelos loiros.

Ela percorreu a barraca com o olhar e parou fixamente em mim. Em um movimento rápido e inesperado, ela segurou meu braço e o puxou. Na surpresa, acabei cedendo ao seu golpe e caindo imobilizado no chão.

― Quem é você, garoto? ― perguntou ela, torcendo meu braço nas costas. ― E que lugar é esse?

― Também estou feliz em te ver ― declarei enquanto tentava me mexer, mas ela forçou ainda mais a imobilização. ― Aaaii... está bem, está bem. Sou eu, Oliver.

Ela afrouxou um pouco, mas continuou me segurando firme.

― Nos conhecemos? ― questionou Maia.

― Você está brincando, né? 

― Eu pareço estar brincando?! ― gritou ela torcendo ainda mais meu braço.

Aaaaii! ― reclamei. ― Não, não parece que você está brincando.

― E então?

― Sim, nos conhecemos. Nós estamos em uma missão juntos. O que está acontecendo com você?

― Eu é que faço as perguntas aqui ― disse ela ainda me prendendo. ― Onde estamos?
― Isso é serio? Porque se você... ― Mais uma vez ela pressionou meu braço contra mim. ― Hawaii! Hawaii! Estamos no Hawaii!

Ela me segurou por mais alguns segundos, mas logo soltou. Cambaleou para trás e caiu agachada com as mãos na cabeça.

Parei na frente dela e abaixei-me devagar.

― Maia...?

Ela estendeu a mão pedindo que eu me afastasse.

― Minha cabeça está doendo muito ― reclamou ela ainda no chão. ― Está tudo em branco, não consigo me lembrar de nada.

Quando finalmente eu penso que não teríamos mais surpresas, isso acontece. Maia estava arrasada, confusa, abalada. Eu precisava mostrar que ela podia confiar em mim. Precisava ajuda-la mais uma vez. 

― Qual sua última lembrança? ― perguntei aproximando-me.

Ela levantou os olhos marejados pelas lágrimas. Seus olhos demonstravam que estava perdida e com medo.

― A única coisa que consigo lembrar é o meu nome, nada mais. 

Sentei-me ao seu lado.

― Isso é curioso... talvez seja alguma sequela do veneno do Ettercap... ou pode ser um efeito colateral do antidoto... se for isso, vou ter uma conversa seria com Belenus. 

― Do que você está falando? ― questionou ela secando as lágimas.

Err... é uma longa história.

Comecei a contar algumas coisas que aconteceram até aquele momento, fazendo um breve resumo dos fatos.

― Isso mesmo, quando nos conhecemos eu acabei com um ogro assassino. O monstro era enorme, devia ter uns quinze metros e eu posso jurar que ele voava ― expliquei, talvez aumentando um pouco algumas coisas. ― Foi por pouco Maia, ele era extremamente poderoso. Mas graças a minha sagacidade, ele virou fumaça.

― Isso é incrível! ― exclamou ela.

― Obrigado ― agradeci sorrindo.

― E sobre aqueles monstrinhos que você mencionou... goblins, não é? O que aconteceu?

Ahn... Err... n-não foi na-ada demais ― falei dando uma tossida para disfarçar. 

Por fim, contei a história toda, desde nosso primeiro encontro até aquele momento. Decidi não mencionar nosso... beijo. Eu não queria ter que lembra-la sobre algo desse tipo e também poderia parecer que eu estava me aproveitando da situação.

Durante todo o relato, Maia me encarava com uma expressão de incredulidade no rosto. Provavelmente a mesma cara que eu fiz quando ela me contou essa história maluca.

― Sei que pode parecer loucura... esse lance de monstros e caçadores. Mas é tudo verdade.

― Eu...

― Ah! E antes que você pergunte. Não, nós não podemos voar ― lamentei.

― O que?

Ahn... nada.

― Você é um garoto interessante, Oliver Turner. Mesmo não lembrando nada, sinto que posso confiar em você e fico feliz por sermos amigos.

― Isso é bom ― respondi olhando nos seus olhos. ― Hum... a conversa está boa, mas eu preciso ir ― falei pondo-me de pé. ― Preciso derrotar um dragão maligno e salvar o mundo.

― Nossa! Você é sempre assim confiante ou só está querendo me impressionar? ― perguntou ela estendendo a mão para que eu lhe ajudasse a levantar também.

― O que?! Não. Se eu quisesse lhe impressionar faria isso ― estendi o braço e abri a mão, no mesmo instante uma pequena bola de fogo se projetou sobre ela. A chama dançou em minha palma conforme meus comandos, ainda não tinha feito isso, mas percebi que era fácil de controlar. Quando fechei o punho, o fogo desapareceu.

― Uau! ― exclamou ela batendo palmas. ― Você mostra esse truque para todas as garotas com amnésia? 

― É claro que não, apenas para as malucas que me convidam para caçar monstros.
Ela deu um soco no meu braço e começou a rir.

Era bom ver aquele sorriso novamente, quando ela foi envenenada achei que fosse perdê-la para sempre. Mesmo que ela nunca volte a se lembrar de mim, fico feliz por estar viva.
Ao sair da barraca percebemos que a situação estava se alarmando. O céu havia escurecido, alguns pequenos tremores causavam desmoronamentos dentro da caverna ao lado. Tudo isso era imperceptível de dentro da tenda mágica, pois sua magia nos protegia das coisas sobrenaturais. 

― Eu preciso ir ― falei.

― Nós precisamos ir ― corrigiu Maia.

Não poderia deixar ela se machucar mais uma vez. 

― Maia... talvez sua amnésia seja um sinal. Acho melhor você ficar aqui, se esconda dentro da barraca até as coisas se acalmarem.

― O que?! ― exclamou ela com as mãos na cintura. ― Você disse que estávamos juntos nessa, não vou lhe deixar sozinho agora.

― Mas você não se lembra de nada, como vai lutar contra os monstros?

― Não sei explicar, mas tenho certeza que consigo me defender.

― Ah é? Então se defenda disso ― saltei sobre ela. Mas, Maia foi mais rápida. Além de evitar minha investida, ainda pôs a perna na minha frente e me derrubou.

― O que você estava falando mesmo? ― caçoou ela estendendo a mão para me levantar.
― Tudo bem, você ainda tem os reflexos de uma guerreira. Mas e seu arco? Consegue invoca-lo? 

Ela revirou os olhos e suspirou.

― Chega de perguntas, senhor teimoso. Eu vou com você e pronto.

Meu coração acelerou ao ouvir esse apelido, ela me chamava assim desde o dia que nos conhecemos.

― Do que você me chamou? ― perguntei.

Hum... teimoso? Você é mesmo, teimoso e irritante ― respondeu ela. ― Eu posso não lembrar nada, mas sinto dentro de mim que não posso me esconder disso, eu devo seguir em frente.

Ela poderia estar lembrando algumas coisas, isso é bom. E conhecendo Maia, eu deveria imaginar que ela jamais aceitaria se esconder de uma luta, mesmo com amnésia. 

― Você está certa, só existe uma forma de vencermos isso...  juntos ― declarei.

― Obrigada.

― Mas vamos logo, temos pouco tempo...

BUUUUUUUM

Com um barulho ensurdecedor... o vulcão Kilauea entrou em erupção, espalhando lava ao seu redor. Uma sombra enorme e assustadora emergiu do interior da cratera, alçando voo no céu escuro e tempestuoso.

Ãhn... Maia? Esquece o que eu disse sobre termos pouco tempo ― falei ―, na verdade, acho que nosso tempo acabou.


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