Capítulo um - Tudo começa na detenção



Eu odeio dragões.
São criaturas detestáveis. Possuem uma pele escamosa, quase cinco metros de altura, cospem fogo pela boca e não possuem senso de humor algum.
Eu precisei correr, a criatura gigante estava no meu encalço, podia sentir o calor de seu bafo fedorento na minha nuca. O hálito parecia uma nuvem de pimenta que fazia os meus olhos arderem. Ele parecia não gostar nem um pouco de mim. Talvez tenha sido por eu o ter chamado de lagartixa gigante ― não entendo, lagartixas são adoráveis. É claro que também pode ser por causa da ferida em sua perna deixada pela lâmina da minha espada. Como eu disse, dragões não possuem senso de humor.
A perseguição nos levou até um bosque com árvores grandes e coloridas, onde diversos animais selvagens corriam livremente. Flores de todas as cores e perfumes decoravam aquele lindo lugar ― se não fosse pelo gigante escamoso, eu provavelmente teria parado para admirar aquela maravilha da natureza. Parecia um sonho, mas que, aos poucos, se tornava um pesadelo. Por onde o dragão passava, ele deixava um rastro de destruição e caos.
Eu podia ver um vilarejo logo à frente; se eu conseguisse chegar até lá, talvez alguém pudesse me ajudar. Entretanto, o monstro deixaria aquela humilde vila em ruinas. Eu precisava agir imediatamente. O monstro diminuiu o passo e consegui ganhar uma distância razoável. Aproveitando a oportunidade, subi em uma das árvores o mais depressa que pude, e quando o dragão se aproximou, saltei sobre ele.
Sem hesitar, enterrei minha espada em suas costas.
― Urrghh! ― urrou de dor o monstro, sacudindo igual a um touro de montaria.
Juro que, de início, parecia uma boa ideia saltar em cima de um dragão de cinco metros de altura e perfurá-lo com uma pequena espada. Droga, que ideia mais estúpida! ― pensei.
Não consegui me segurar por muito tempo, entre um solavanco e outro, acabei me soltando e caindo.
Mesmo parecendo óbvio, devo dizer: não repitam isso em casa, cair daquela altura não é nada agradável. Senti algumas costelas fraturadas e minha perna esquerda parecia ter quebrado na queda. Com muita dificuldade, consegui me arrastar até a base de uma árvore. A dor era insuportável, parecia que eu tinha descido por um escorregador de lâminas e caído em uma piscina com álcool. O dragão se aproximava a passos largos, eu estava encurralado e não conseguia mais me mover.
Parando em minha frente, ele bufou soltando uma fumaça por suas ventas. Por fim, abriu a boca fedorenta repleta de dentes afiados. Eu esperava, no mínimo, uma rajada de fogo e minha morte certa.
Mas para minha surpresa, ele começou a falar com uma voz feminina incrivelmente familiar.
― Sr. Turner? Sr. Turner?...
― M-mas o que-e? A lagartixa gigante sabe falar? ― perguntei incrédulo.
Ouvi muitas risadas, o dragão desapareceu, o bosque sumiu e tudo ficou escuro.
Abri os meus olhos e a Sra. Figgs estava me encarando, com os braços cruzados e uma cara fechada, provavelmente pelo que eu acabei de falar.
― Sr. Turner, dormindo na sala de aula novamente e ainda por cima me ofende?
A Sra. Figgs era minha professora de matemática. Era uma velha baixinha e nervosa, usava sempre o mesmo vestido na altura das canelas com um blazer amarelado por cima. Tinha cabelos brancos, sempre presos, usava óculos fundo de garrafa e cheirava a naftalina. Os outros alunos comentavam que esse cheiro, na verdade, era de algum tipo de droga ilícita que a professora contrabandeava na escola ― mas eu me negava a acreditar nisso, para mim era naftalina mesmo.
― De-esculpe, Sra. Figgs... eu estava sonhando com um dragão.
Todos na sala riram novamente, a professora ficou vermelha de raiva.
― Dorme na sala de aula, me chama de lagartixa e agora de dragão, Sr. Turner? ― disse ela bufando; faltou apenas sair fumaça de suas ventas... digo, nariz.
Hum... me desculpe Sra. Figgs, não foi isso que...
― Chega! ― interrompeu ela. ― O senhor já ganhou uma semana de detenção, vai querer mais?
Respondi que não com a cabeça e fiz um gesto como se estivesse fechando um zíper na boca. Ela se virou rapidamente e voltou a falar sobre variantes e outras coisas que eu não entendo nem um pouco.
Bem, esqueci de me apresentar: meu nome é Oliver Turner, eu tenho quinze anos e estou cursando o primeiro ano do ensino médio. Todos dizem que sou um garoto problemático, que dorme nas aulas e ofende os professores. Em minha defesa, as aulas são um tédio, e na maioria das vezes falo mal dos professores sem querer mesmo.
De todos eles, a Sra. Figgs é a que menos gostava de mim; tal como o dragão do meu sonho. É claro que ela não cospe fogo pela boca, e até hoje nunca tentou me matar ― exceto aquela vez em que não me deixou ir ao banheiro, juro que mais alguns minutos e eu teria... não vamos entrar em detalhes. Mas a velha tem o terrível poder de me colocar na detenção quanto tempo julgar necessário ― ou seja, sempre. Outra habilidade especial da Sra. Figgs é o poder do sono, é incrivelmente difícil se manter acordado  enquanto ela fala.
Precisei me esforçar ao máximo para não pegar no sono novamente. Depois de algumas horas de tortura... quero dizer, algumas horas de aula, chegou o meio-dia. O sinal de saída tocou e todos levantaram para ir embora. Apenas eu permaneci sentado.
Mais uma semana de detenção, acompanhado da minha professora preferida, a querida Sra. Figgs. Eu não poderia estar mais feliz ― pensei.
Alguns colegas passaram por mim e riram, outros me deram tapinhas no ombro com um olhar de boa sorte.
Sorte, talvez eu precisasse mesmo.
Se você acha que na sua escola as horas demoram a passar, é porque você ainda não conhece a detenção da Sra. Figgs. Tem vezes em que parece que o tempo está parado ― talvez o relógio estivesse sem pilhas. Eu estava escrevendo uma redação idiota com o tema: porque não devo desrespeitar os professores - parte noventa e oito (depois de tantos castigos, não sei como ainda consigo escrever algo diferente sobre este tema), quando o celular da Sra. Figgs tocou e ela deixou a sala para atender. No entanto, antes de sair, ela me encarou com aquele olhar de quem diz ― estou de olho em você, seu garoto malcriado.
Não que eu estivesse pensando em aprontar alguma coisa, na verdade só queria terminar logo a detenção e ir para casa.
Eu vivo com a minha mãe, moramos em uma pequena casa que foi deixada por meu pai antes de sua morte. Apesar de pequena e antiga, ela é confortável e eu me sinto bem dentro dela, como se estivesse protegido.
Assim que a Sra. Figgs saiu para o corredor a fim de atender ao telefone, uma forte brisa soprou pela janela e uma criaturinha de mais ou menos um metro de altura entrou por ela Ele tinha nariz e orelhas pontudas, seus olhos eram esbugalhados, podiam ser engraçados e ao mesmo tempo assustadores. O monstrinho se movia de um jeito engraçado, como se estivesse bêbado ou com algum problema nas pernas. Carregava uma sacola estranha no ombro, que, às vezes, parecia se mexer.
Como de costume, mesmo quando eu não procuro problemas, eles me procuram. Teve uma vez que, na biblioteca da escola, me encontrava sozinho em um dos inúmeros corredores em busca de um livro de história antiga. Foi quando um lobo apareceu. Com o susto, me joguei contra uma das estantes, que caiu causando um efeito dominó. É claro que ninguém acreditou que tinha um lobo dentro da escola.
Mas, dessa vez, eu só poderia estar alucinando; talvez fosse o cheiro da naftalina. Entretanto, aquele monstrinho era real. Ao entrar na sala, ele saltou até a mesa da Sra. Figgs e agarrou a bolsa dela.
Eu poderia simplesmente gritar e chamar pela professora, mas com certeza ela colocaria a culpa em mim e eu acabaria ainda mais encrencado.
― Larga isso, sua aberração ― eu disse baixinho para não chamar a atenção da velha no corredor.
O pequenino me encarava com uma expressão travessa no rosto, nem imagino o que ele estava pensando, mas certamente coisa boa não era. Levantei sorrateiramente de minha carteira e caminhei devagar na direção daquela coisa. Precisava recuperar a bolsa e me livrar dessa criatura antes que a professora retornasse à sala.
Quando estava me aproximando, saltei tentando agarrá-lo com as duas mãos, porém o monstro foi mais rápido e pulou por cima de mim, fazendo com que eu quase caísse de cara no chão.
Ele estava apontando para mim e rindo, provavelmente dizendo em sua língua: que garoto idiota! Ha, ha, ha.
A Sra. Figgs continuava no telefone, andando de um lado para o outro no corredor, sem perceber nada do que estava acontecendo no interior da sala.
O monstrinho saltava de um lado para o outro, estava se divertindo às minhas custas. Mas logo sua expressão mudou, passando de duende brincalhão para duende malvado. De dentro de sua sacola, retirou um rato vivo e o colocou dentro da bolsa da professora.
― Não-faça-isso! ― falei pausadamente.
Com um último sorriso malicioso no rosto, ele largou a bolsa no lugar onde estava no princípio e fugiu pela janela sem deixar rastros.
Nesse exato momento, a Sra. Figgs entrou na sala.
― O que o senhor faz de pé, Sr. Turner? ― perguntou a velha, extremamente desconfiada.
Como ela não viu aquele anão bêbado entrar pela janela e fazer toda aquela loucura na sala?
Eu estava suando, não sabia o que dizer.
― É q-que e-eu... eu terminei minha redação, professora, e vim deixá-la aqui na sua mesa ― disse, tentando não parecer muito nervoso.
Ela continuou suspeitosa. Pegou minha redação e passou os olhos por cima, de vez em quando os desviando e me encarando ― parecia perceber meu nervosismo.
― Está tudo bem, Sr. Turner? O senhor parece um pouco tenso ― disse a professora, com os olhos sobre mim.
― Estou bem, Sra. Figgs ― respondi, me esforçando para não demonstrar minha preocupação. ― Estou apenas cansado.
Minha resposta não a convenceu, mas ela não podia me prender, ainda mais sem um motivo concreto.
― Muito bem, quem sabe assim aprenda a não desrespeitar os mais velhos. Agora vá embora, ou você prefere fazer outra redação?
Nem respondi, guardei as minhas coisas rapidamente ― mesmo não gostando dessa escola, acho que nunca tinha pensado em sair dela tão rápido. Estava torcendo para que a Sra. Figgs não abrisse a bolsa ainda, pelo menos até eu estar bem longe dali.
Mas quando estava saindo pela porta...
Aaaaaaaaahhhh!
― Droga! ― exclamei.



Leia também no WATTPAD
Proxima
« Anterior
Anterior
Proxima »

2 comentários

Clique aqui para comentários
Obrigado pelo seu comentário