Talvez não seja possível chamar isso de sorte, mas era exatamente quem eu queria encontrar. Eu havia pensado em quase tudo se encontrássemos o Rhinoceros,
nós usaríamos sua pele a prova de fogo em nossa missão. Mas estava me
esquecendo de um pequeno detalhe que talvez seja importante, antes de
usarmos a pele dele, precisaríamos separá-la de seu corpo.
Primeiro problema: o
monstro era maior do que eu imaginava. Era um rinoceronte humanoide com
aproximadamente uns três metros de altura. Ossos pontiagudos saiam de
seu corpo em diversos lugares, o deixando parecido com um porco espinho
gigante e monstruoso.
Ele estava parado a
alguns metros de nós, segurando um enorme machado feito com ossos, que
duvido muito que fosse para cortar lenhas. Nossas chances não eram as
melhores, alguma coisa me dizia que deveríamos fugir imediatamente, —
talvez tenha sido a razão falando — mas como acontece comigo na maioria
das vezes, a emoção falou mais alto.
— Olá senhor Rhinoceros,
é um prazer conhece-lo e tudo, mas estamos com o tempo meio apertado,
se puder simplesmente pular para fora da sua pele estará nos poupando
alguns minutos de uma luta que já vencemos — talvez eu tenha falado
algumas coisas sem pensar, às vezes isso acontece comigo. O rinoceronte
pareceu ofendido com as minhas palavras, com um grito de raiva ele girou
seu machado e destruiu uma árvore próxima.
— E como você pretende fazer isso garoto? - perguntou o monstro com um olhar ameaçador que me fez repensar a minha resposta.
Maia permanecia
encarando a criatura em silêncio. Ela costuma ficar assim durante a
batalha, quieta e concentrada. Diferente de mim, que nem com a vida em
risco consigo fechar a boca, admito... quando fico nervoso eu falo
demais.
— Ãah... eu
pensei em pedir por favor, mas alguma coisa me diz que isso não vai
funcionar com você, — logo ao terminar de falar, invoquei a Espada do Oeste, e ela apareceu em minha mão — então acho que terei que tirar a força.
Dessa vez eu pude sentir
a energia mágica diminuir dentro de mim, estava me acostumando ainda
com isso, e tentava economizar o máximo possível de combustível. Antes
eu não sabia e nem me preocupava com isso, mas recentemente descobri que
se essa energia acabar, eu morro. Então por precaução estava
economizando.
Maia também havia invocado seu Arco do Sul,
porém sem esforço algum. Bem, ela era mais experiente do que eu usando
magia, fora criada entre caçadores e protetores, e desde criança
aprendeu a controlar seu poder mágico.
— Você tem algum plano engraçadinha? — perguntei na esperança que ela soubesse alguma coisa sobre o monstro e talvez tivesse alguma ideia de como acabar com ele.
— Não olhe para mim senhor teimoso, a ideia brilhante de encontrar essa coisa foi sua — respondeu ela enquanto recuávamos a cada passo do rinoceronte gigante.
Tínhamos acabado de sair
da pequena vila do senhor Glauco, todo aquele movimento de turistas
ficou para trás. O lugar estava deserto, éramos apenas nós, um
rinoceronte monstruoso, algumas árvores e a praia logo a trás. Um belo
cenário para uma terrível batalha.
Rhinoceros se
aproximava a passos curtos, estávamos ficando encurralados com o mar a
nossas costas. Eu não sabia se rinocerontes sabiam nadar, mas decidi não
descobrir isso na prática. Só poderíamos fazer uma coisa nesse momento:
lutar.
— Você não está nos dando escolhas Rhino,
vamos ter que passar por cima de você — falei apontando a minha espada
para ele, tentando parecer forte e confiante, talvez ele ficasse com
medo e se entregasse. Mas isso não aconteceu, — isso nunca acontece, não
sei porque — o monstro continuou avançando lentamente.
— Vocês humanos são
desprezíveis, acham que podem simplesmente chegar e levar a minha pele — dizia o rinoceronte enquanto se aproximava. — A mil anos atrás um homem
tentou essa façanha, e adivinhem o que aconteceu com ele?
— Hum... você o convidou para tomar chá com biscoitos?
— NÃO! — gritou a
criatura. — Eu arranquei sua pele inútil e a pendurei em minha caverna
como decoração — essa primeira parte já embrulhou o meu estômago, mas o
monstro continuou com a sua linda história. — Eu encarei isso
como uma afronta ao meu poder, e jurei que durante mil anos me vingaria
desse povo. Todo ano eu retorno até essa vila, atrás de um homem para
repetir o que fiz com o primeiro.
— Você está me dizendo
que guardou mágoas durante mil anos, e todo esse tempo vem descontando
em pessoas inocentes? — perguntei sem querer acreditar, porque se isso
fosse verdade, provavelmente ele teria assassinado mil pessoas que não
tinham nada a ver com tudo isso.
O monstro abriu um sorriso malicioso, — é claro que sim. E farei exatamente a mesma coisa com vocês. Tenho certeza que o mestre Rendar ficará muito satisfeito ao saber que eliminei os dois caçadores que estavam atrás dele.
— Então você sabe quem nós somos? — perguntou Maia exasperada.
— É claro que eu sei
garota, — se gabou a criatura — para falar a verdade quase todos os
monstros os conhecem. Nosso mestre ofereceu uma grande recompensa para
quem acabar com vocês.
Isso é ótimo — pensei. As nossas cabeças estavam a prêmio, com um monte de monstros gananciosos querendo a recompensa.
— Deixa eu clarear as coisas para você grandão — comecei a falar — Rendar destruirá o mundo, não restará nada, nem mesmo uma pessoa para você arrancar a pele.
— Será um novo mundo,
livre da sua raça imunda. E eu me contentarei apenas com a pele de vocês
dois, serão as peças finais da minha coleção — concluiu o gigante com
um sorriso doentio estampado no rosto.
Segundo problema: Rhinoceros
tinha um péssimo gosto para decoração. Seu passatempo favorito era
fazer cortinas e tapetes com pele humana, e a última coisa que eu queria
nesse momento era virar um enfeite de parede ou uma toalha de mesa.
Já estávamos quase
dentro da água, pequenas ondas acoitavam nossos calcanhares. O monstro
estava agora parado em nossa frente mexendo seu machado de ossos.
Nos entreolhamos sem
saber o que fazer, uma luta corpo-a-corpo não parecia uma boa ideia. Mas
antes que pudéssemos decidir, ele levantou seu machado rapidamente, e
com a mesma velocidade o desceu sobre nós. Sem pensar, saltamos para
lados opostos, momentos antes do machado acertar o chão onde estávamos,
fazendo respingar água do mar para todos os lados.
Maia se jogou para o
lado, rolou e ficou de pé novamente, dessa vez lançando suas flechas
mágicas contra o rinoceronte. Eu tentei fazer o mesmo, mas quando tentei
ficar de pé... escorreguei no chão molhado e cai sentado dentro da
água.
Maia apenas me olhou e mexeu os lábios, pronunciando silenciosamente: meu herói. Eu estava encharcado e talvez um pouco envergonhado, mas ainda segurava minha espada e estava pronto para a batalha.
O rinoceronte recuava para escapar das flechadas incessantes de Maia, e esse foi o momento em que decidi avançar contra ele.
Terceiro problema:
espada pequena não ganha de machado gigante. Ergui minha espada e corri
até o monstro. Tentei perfurá-lo diretamente no peito, mas ele estava
atento e conseguiu facilmente desviar desse primeiro golpe. Descrevi um
circulo com meu corpo, girando a espada ao redor, mas momentos antes de
acertá-lo, ele projetou sua arma a frente como um escudo. Eu já havia
escutado que ossos eram duros, mas aquilo parecia ser feito de aço puro.
O meu corpo inteiro vibrou, e com o choque acabei deixando a espada
cair.
Maia percebendo a
situação, fez o mais improvável. Largou seu arco, sacou sua adaga e
correu até a criatura, saltou sobre ele e se grudou em seu pescoço.
Enquanto ele se debatia tentando livrar-se dela, ela o espetava com sua
adaga, que ao lado do monstro gigante mais parecia um palito de dentes.
O rinoceronte estava
completamente distraído com Maia, pois nem percebeu quando eu corri até
minha espada e a recuperei. Meu corpo ainda tremia devido ao impacto com
o machado de ossos, mas eu precisava me concentrar e pensar em alguma
coisa logo, antes que fosse tarde demais.
Maia tentava de todas as
formas causar algum dano ao rinoceronte, entretanto, suas estocadas
pareciam apenas lhe deixar mais furioso.
— Você irá para a minha parede garota, desista! — gritava o monstro enquanto tentava se livrar dela.
— Eu não vou conseguir
segurar por muito tempo Oliver... — o rinoceronte sacudiu igual a um
touro brabo, fazendo-a cortar a frase na metade — você precisa fazer... —
ele jogou seu corpo para frente com grande violência, o que a fez
perder o equilíbrio e soltar-se, caindo alguns metros, a mercê da
criatura que se preparava para esmagá-la.
Infelizmente não tive
tempo algum para pensar, precisava agir agora mesmo. Sim, eu fiz algo
perigoso que poderia me matar, mas também não poderia simplesmente
ignorar a situação e deixar Maia morrer. Me concentrei o máximo que
pude, e recorri novamente ao meu estoque de magia. Segurei a espada com
as duas mãos e a lancei na direção do monstro. Se eu tivesse usado a
minha própria força provavelmente a espada teria caído logo a frente ou
errado o alvo, mas eu usei a minha energia mágica. Imaginei um caminho
entre mim e o rinoceronte, uma luz brilhou entre nós e guiou a espada
com velocidade e força por todo o caminho. Sem o monstro esperar ou
sequer perceber, a espada entrou em suas costas e atravessou o seu
peito.
Ele estava a um passo de
chegar até Maia, que estava caída inconsciente no chão, mais alguns
segundos e ela teria virado panqueca. Com uma explosão negra o
rinoceronte deixou de existir, deixando para trás apenas um manto
acinzentado caído sobre Maia.
— Deu certo! — exclamei. — E não estou sentindo na... — antes mesmo de concluir a frase, minha
cabeça desatou a doer. Eu pensei que ela fosse explodir da mesma forma
que a criatura. Usar toda aquela energia certamente fora demais para
mim. Entre tropeços consegui chegar até a praia. Mas outra vez o mundo
ficou de cabeça para baixo, minhas pernas amoleceram que nem sabão e
meus joelhos tocaram a areia molhada. Meu nariz estava sangrando, meus
olhos foram tomados por total escuridão, e assim eu desabei ao lado
Maia.
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