Ainda era cedo, alguma coisa perto de dez horas da manhã,
o GPS mágico era um aparelho incrível — uma mistura de tecnologia com magia —
ele nos mostrava o caminho para a Chama
Sagrada, e às vezes indicava alguma lanchonete próxima, mas não mostrava as horas. O sol estava brilhando com grande
intensidade, alguns jovens corriam para o mar com suas pranchas de baixo do
braço, as lojas de souvenires eram tomadas por pessoas com camisas floreadas,
colar de flores, shorts e chinelos de dedo, — isso parecia algum tipo de
uniforme, pois quase todos usavam esse mesmo estilo de roupas — talvez fossem
turistas, ou quem sabe os havaianos se vestissem dessa forma mesmo. Era mais um
dia comum no Hawaii, exceto pelo fato que o vulcão Kilauea estava prestes a entrar em erupção, trazendo consigo um
dragão antigo e maligno que está pronto para destruir toda a ilha e depois o
mundo. Bem, se não fosse por isso, seria um lindo dia.
Deixamos a base da barreira do Oeste há algumas horas, e
não paramos nenhum minuto para descansar. Conseguimos sair da floresta sem
encontrar nenhum outro monstro assassino. O GPS nos guiou até um pequeno
vilarejo perto da praia, era um lugar adorável, e as pessoas eram muito
receptíveis e gentis. Passamos por um quiosque de madeira com telhado de palha,
onde um senhor de meia idade assava alguns peixes. Ele tinha uma longa barba
branca, que lembrava muito o papai noel,
entretanto ele estava vestindo o uniforme padrão havaiano. Logo o aroma
agradável que emanava da churrasqueira lembrou-me que eu estava faminto, e ao
observar a expressão no rosto de Maia, constatei que ela também estava. Desde a
noite anterior, não havíamos comido nada, se não comecemos alguma coisa logo,
talvez morrêssemos antes mesmo do mundo acabar. Mas caçar dragões não é a
profissão mais rentável do mundo — na verdade não temos renda alguma — então
estávamos meio que... sem dinheiro. Meio que sem perceber, ou hipnotizados pelo
cheiro do peixe, nós paramos em frente ao quiosque. O papai noel havaiano
aproximou-se de nós com um sorriso acolhedor no rosto.
— Sejam bem vindos ao Peixe
Assado do Tio Glauco! — disse o bom velhinho. — Vocês parecem estar com
muita fome.
Ou o Tio Glauco podia
ler mentes, ou ele ouviu o barulho dos nossos estômagos implorando por comida. A segunda opção era a mais provável, pois se
ele pudesse ler nossas mentes, logo saberia que não tínhamos nenhum dólar no
bolso.
— Hãa... é
que... não temos dinheiro senhor — falei sentindo uma mistura de vergonha e
frustração.
Tio Glauco nos olhou com um olhar de compaixão, como se
soubesse de nossa missão e de alguma forma sentisse pena de nós.
— Vamos Oliver, precisamos continuar. Não temos tempo —
disse Maia com uma voz fraca.
— Esperem... — chamou o velhinho dos peixes. — Entrem e
comam o que quiserem. Todos os dias o mar me abençoa com ótimos peixes sem me
cobrar nada por isso. Se vocês estão com fome, ficarei feliz em lhes ajudar —
concluiu o papai noel havaiano com um largo sorriso no rosto.
Maia e eu nos entreolhamos, tivemos uma pequena conversa
silenciosa, não estávamos acostumados com tamanha generosidade, e também o
tempo estava contra nós, mas a fome acabou falando mais alto. Entramos e nos
servimos do que posso dizer que foi o melhor peixe assado que eu já comi.
— Está fantástico senhor Glauco! — disse Maia entre uma
mordida e outra.
— Esfá mais fe fanfásfico, esfá senfáfional — disse eu
com a boca cheia de peixe.
O velho senhor parecia achar graça de tudo isso, enquanto
comíamos ele sorria ao nosso lado.
— Que bom que vocês gostaram. Mas me digam, o que dois
jovens fazem sozinhos por aqui? — perguntou ele acariciando sua longa barba
branca.
Eu gostaria de ser honesto com o velho senhor, mas se eu
falasse a verdade certamente ele acharia que éramos loucos.
— Bem... nossos pais estão hospedados aqui perto, saímos
para caminhar e acabamos nos perdendo — disse eu inventando uma história
convincente. — Mas agora está tudo bem, eles estão vindo nos buscar.
Talvez a minha história não tenha sido convincente como
eu pensei que seria. O senhor Glauco nos encarou com uma olhar desconfiado, mas
por fim decidiu não questionar.
— Que bom que está tudo bem agora — disse ele com uma
expressão preocupada no rosto — esse não é o melhor lugar para crianças andarem
sozinhas. Existem lendas sobre esse vilarejo, coisas estranhas acontecem por
aqui.
Se eu fosse um garoto normal poderia ter me assustado com
isso, mas nos últimos dias vivenciei coisas que deixariam os cabelos e a barba
do senhor Glauco em pé.
— O senhor poderia nos contar sobre essas lendas? —
perguntei. Maia me encarou sem entender o porquê de eu querer ouvir esse tipo
de história. Mas os olhos do senhor Glauco eram suplicantes, ele não parecia
ter muitos amigos por aqui, ele queria apenas alguém para ouvir suas histórias,
e depois do que ele fez por nós, eu não poderia lhe negar isso.
Ele abriu um sorriso maior ainda e aproximou-se, puxou
uma cadeira e sentou entre nós. — Muito bem crianças, preparem-se para conhecer
a verdade sobre o Vilarejo Abandonado — disse
ele com bastante ênfase nas últimas palavras. A lenda diz que há muitos anos
atrás esse vilarejo era habitado por criaturas mágicas...
Ao ouvir essas palavras, comecei de certa forma a me
interessar de verdade pela história, até mesmo Maia, que a pouco não demonstrava
interesse algum em ouvir os contos do papai noel havaiano, agora ficou atenta a
essas palavras.
— Eram criaturas de todos os tipos, uma grande
diversidade de raças, mas todas compartilhavam de uma mesma característica: a
maldade. Eles se divertiam em machucar os outros, atraíam humanos para o
vilarejo e depois os torturavam até a morte. É claro que com o tempo, os
humanos deixaram os arredores e não apareceram mais, os monstros descontentes
começaram a brigar entre si, e aos poucos foram se matando e desapareceram.
— Ãah... se
eles desapareceram, então acho que não temos com o que nos preocupar, não é? — perguntei
após ouvir tudo.
— A história não acaba assim meu jovem — explicou ele. —
Quando os monstros desapareceram, os humanos voltaram e encontraram o vilarejo
abandonado. Logo eles se instalaram por aqui, e expandiram a vila, criaram
comercio, e o vilarejo ficou conhecido e cada vez mais populoso. Mas o que
ninguém sabia era que nem todos os monstros tinham desaparecido...
— Essa não... — lamentei.
— Um deles estava vivendo em uma caverna próxima ao
vilarejo. Ele era conhecido como Rhinoceros,
era um humanoide com a aparência de um rinoceronte, carregava sempre
consigo um machado enorme e sua pele era imune ao fogo. Essa noticia se
espalhou pela vila, um homem movido pela ganância decidiu caçar o monstro e
arrancar sua pele imune ao fogo para vendê-la.
— Imune ao fogo? — perguntou Maia. Por alguns segundos
nos entreolhamos, se essa lenda fosse verdade, seria muito útil em nossa
jornada. — E o que aconteceu com esse homem senhor Glauco?
— Ele foi trucidado minha jovem, o monstro era muito
poderoso. A criatura entendeu isso como uma ofensa e amaldiçoou esse vilarejo,
de tempos em tempos ele volta para matar algumas pessoas, somente pela ousadia
daquele homem.
Tio Glauco nos
observou com satisfação, nossos rostos estavam perplexos. Mas não estávamos
assustados como ele estava imaginando, na verdade estávamos pensando se isso
poderia ser verdade, uma pele imune ao fogo... isso poderia ser útil de varias
formas.
— Fiquem calmas crianças, isso é apenas uma lenda — disse
ele com uma voz tranquilizante.
Com um sorriso no rosto terminamos o nosso peixe, mas
agora sem parar de pensar no Rhinoceros, e
sua pele mágica. Antes de nos despedirmos do bom velhinho, nós o ajudamos a
lavar os pratos, era o mínimo que podíamos fazer depois da refeição gratuita, e
a história reveladora. Após a despedida, voltamos para a nossa aventura. O GPS
apontava para o oeste, precisaríamos de fato atravessar o vilarejo para seguir
o caminho da Chama Sagrada.
— O que você acha dessa história? — perguntei a Maia
enquanto caminhávamos, agora descansados e bem alimentados.
— Acho que pode ser verdade sim — respondeu ela. — Eu
cresci em um mundo encantado Oliver, e uma coisa eu aprendi sobre lendas, na
maioria das vezes, elas são reais.
Talvez isso fosse perigoso, e pudesse nos atrasar ainda
mais. Mas uma pele imune ao fogo nos daria uma boa vantagem em nossa missão. —
Então nós precisamos encontra esse Rhinoceros
e acabar com ele, além de estarmos ajudando o pessoal dessa vila, vamos
estar nos fortalecendo para o que está por vir... — dizia eu até uma voz grave
e imponente me interromper.
— Parece que vocês
estão com sorte... mas vamos ver até quando ela vai durar.
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