Capítulo dezessete - Maia entra em uma briga




Na maioria das vezes, quando uma voz misteriosa nos chama, quer dizer que estamos encrencados. Isso me faz pensar: porque os monstros precisam sempre fazer uma entrada surpreendente? Às vezes parece que eles ficam ouvindo o que você está falando, esperando o momento certo para aparecer. Isso tem me proporcionado uma alegria muito grande nos últimos dias (sim, essa parte foi ironia).
Mas dessa vez as coisas aconteceram de outra forma. A voz que nos recepcionou não era de um monstro assustador, e sim de uma bela mulher. Ela não aparentava ter mais do que vinte anos, vestia apenas um manto vermelho e aproximava-se lentamente. Seu andar era suave como uma brisa de verão eu poderia jurar que seus pés descalços nem tocavam o chão. Há alguns segundos a caverna era fria como uma geladeira, mas com a chegada da mulher o frio simplesmente deixou de existir, sua presença irradiava calor, deixando o lugar com uma temperatura agradável. Somente quando ela parou em nossa frente que eu pude perceber a cor de seus olhos, eles brilhavam em um vermelho incandescente.
Maia invocou ser arco e sacou sua adaga. Eu poderia ter feito o mesmo, mas a mulher de vermelho não parecia representar uma ameaça para nós — é claro que eu poderia estar errado sobre isso.
― Quem é você? E o que quer? ― perguntou Maia com uma voz firme e autoritária, demonstrando uma hostilidade que me surpreendeu.
Ela fixou seus olhos de fogo em Maia, por alguns segundos que pareciam uma eternidade ela permaneceu calada, o único som audível era da água descendo entre as rochas e caindo no rio.
Com uma expressão de escárnio no rosto, ela ignorou as perguntas de Maia.
― Eu estava esperando por você... ― disse a mulher.
― Estava espe... ― tentou replicar Maia, mas subitamente foi interrompida.
― Eu estou falando com o Oliver, e não com você... garota ― tenho quase certeza que ela pensou em chama-la de outra coisa, mas decidiu mudar para garota.
Depois dessas palavras, quem estava com os olhos faiscando era Maia. Ela trincou os dentes e apertou o punho de sua adaga. Seu rosto ficou mais vermelho que o manto da mulher a nossa frente. Elas trocavam olhares ameaçadores, talvez apenas esperando um bom motivo para começarem a brigar. Foi tipo amor à primeira vista, mas ao contrário, ódio à primeira vista.
― Fiquem calmas... ― tentei intervir, apenas para ser interrompido.
― É melhor você sair do nosso caminho ― disse Maia com altivez na voz ― ou se não...
― Esperem meninas...
― Ou se não o que garotinha? ― perguntou a mulher demonstrando uma expressão perversa no rosto.
Garotinha?! ― exclamou Maia com total indignação. ― Com quem você pensa que está falando?
― Eu acho... ― mais uma tentativa inútil de acalmar os ânimos.
― Eu sei muito bem quem você é ― disse a mulher misteriosa ― filha da água ― ela pronunciou as últimas palavras com desprezo e arrogância.
― É melhor a gente... ― sim, ninguém mais me deixa falar aqui.
― Você não sabe do que está falando! ― protestou Maia, que já estava alterada.
― CHEGA! ― reclamei. ― Em primeiro lugar, vocês nem sabem por que estão discutindo, temos coisas mais importantes para nos preocupar agora, por exemplo: um dragão maligno está prestes a despertar para destruir o mundo e eu não nos vejo mais perto da Chama Sagrada ― acho que consegui impressionar com a minha atitude responsável. Geralmente quem faz esse papel é Maia, mas por algum motivo desconhecido essa mulher a fez perder o controle.
― Você está certo Oliver ― falou Maia.
― Definitivamente ― completou a mulher de vermelho.
― Mas afinal, quem é você? ― perguntei.
― Que bom que perguntou meu bravo caçador ― respondeu ela delicadamente. O que fez novamente Maia apertar o punho de sua adaga como se quisesse esmaga-lo, ela demonstrava estar furiosa com as palavras da mulher, mas se conteve.
― Sou conhecida por muitos nomes ― disse ela em um tom ameno ―, entre eles... Salamandra, Elemental do fogo e guardiã da Chama Sagrada.
Ao ouvir essas palavras os meus joelhos se transformaram em gelatina. Mesmo com todo o calor que emanava do corpo da Elemental, senti um frio percorreu todo o meu corpo, e sem falar na minha barriga, que parecia estar cheia de borboletas. Mas eu admito: eu esperava que o guardião da chama fosse um monstro assustador com uns cinco metros de altura, cuspindo fogo para todos os lados, no entanto ela parecia uma simples mulher ― tirando os olhos vermelhos e a presença calorosa, é claro.
Depois de colocar os meus pensamentos em ordem, eu só conseguia pensar em uma coisa: Maia esteve esse tempo todo discutindo com a Salamandra?! Ela poderia ter nos transformado em churrasquinho!
Entretanto, eu continuava com aquela sensação de que a Elemental não nos faria mal algum, mesmo depois da pequena confusão com Maia, que ao ouvir essas palavras rapidamente levou uma de suas mãos até a aljava, e preparou uma flecha em seu arco.
― Eu não estou aqui para lutar com vocês ― declarou a Salamandra. Mas seu olhar indicava que ela estava se contendo para não incinerar Maia naquele exato momento.
― E eu fico muito feliz com isso ― falei ―, mas onde está a chama então?
― Não posso dizer ― respondeu ela.
― Ótimo, voltamos há estaca zero ― queixou-se Maia.
A Salamandra se virou, e suavemente caminhou até a beira do riacho. Agora pude perceber que realmente seus pés não tocavam o chão, ela se movia como um fantasma ― um fantasma vermelho com olhos de fogo.
Ela levantou seus braços e recitou alguns versos em uma língua totalmente estranha, e como se respondesse ao seu chamado à caverna começou a tremer. As rochas que formavam a pequena cachoeira sob o rio desmoronaram, revelando três grandes portais logo a trás. Por alguns segundos eu fiquei apavorado, estávamos no subterrâneo, um tremor poderia causar um desmoronamento, e eu detestava a ideia de me tornar uma panqueca enterrada.  
― Você não pode simplesmente pegar a Chama Sagrada, você deve conquista-la ― disse ela apontando para os portais.
Os portais estavam organizados lado a lado e mediam aproximadamente uns três metros de altura. Cada um deles continha em seu batente um símbolo diferente.
― Você quer dizer que para conquistar a chama eu devo escolher a porta certa? ― perguntei mesmo isso parecendo um daqueles programas de auditório: o que será que temos a trás da porta um?!
― Na verdade, não existe porta certa Oliver ― disse ela com um sorriso nos lábios.
Eu não estava entendendo nada, e essa Elemental do fogo não estava ajudando com essas charadinhas. Olhei para Maia na expectativa de que ela estivesse compreendendo alguma coisa ― ela parecia estar mais calma, havia guardado seu arco mágico, porém continuava empunhando sua adaga ―, no entanto ela balançou a cabeça em sinal negativo, dizendo que também não estava entendendo.
― Eu vou explicar ― disse a Salamandra ― a trás de cada um dos três portais vocês encontrarão desafios distintos. O primeiro os levará para a Floresta das Sombras. O segundo é um portal direto para o Labirinto do Caos. E por fim, o terceiro é uma entrada para o Abismo do Medo.
― Nomes adoráveis, você mesma que os escolheu? ― mas eu preferia que eles se chamassem: Paraíso Encantado, Primavera Feliz e Lanchonete do Tio Sam. O que? Não me julguem, eu estava como fome.
Ela se aproximou novamente, trazendo consigo o calor que permanecia sempre ao seu redor.  ― Quem criou os desafios foi o próprio Belenus, para que somente os heróis de grande valor pudessem chegar vivos até a Chama Sagrada ― explicou a Elemental.
Provavelmente nesse momento Belenus está em seu palácio explodindo bolas de bilhar, enquanto nós temos que enfrentar um desafio mortal que ele mesmo planejou. Isso é reconfortante, como é bom ser um caçador de dragões.
― O tempo está acabando se esgotando, vocês devem escolher logo ― advertiu a Salamandra.
― Muito bem, se Maia concordar, eu escolho o portal...


Leia também no WATTPAD
Proxima
« Anterior
Anterior
Proxima »
Obrigado pelo seu comentário